
No último dia 2 de julho, a Bahia parou, como sempre, para comemorar sua independência do domínio português, alcançada nesta data, no ano de 1823, bem depois do famoso grito de Dom Pedro I às marges do Ipiranga. Como fez para escorraçar os lusitanos, o povo baiano ainda sai às ruas, com bandeirolas e fanfarras, sem deixar de dar um ar de mistério à festa, envolta no misticismo de personagens como o Caboclo e a valente soldado Maria Quitéria de Jesus. Na última quinta, os baianos tiveram um presente extra: o novo show de Claudia Leitte, "Sette", gratuito, em frente ao cartão postal de Salvador, o Farol da Barra.
A convite de Claudinha, saí de São Paulo na manhã do 2 de julho rumo a Salvador em um avião vôo abarrotado de ex-BBBs e que precisou até fazer pouso de emergência em Belo Horizonte, minha terra, por conta de um passageiro que passou mal. Mas, no fim das contas, todos chegamos sãos e salvos ao antigo aeroporto 2 de Julho, que ACM, sem consultar o povo, mudou o nome para Deputado Luís Eduardo Magalhãs, seu filho morto precocemente.
Logo após deixar a mochila no hotel, corri para a Barra. Era uma tarde quente, gostosa, e vi o palco grandioso em formato de concha com 20 metros de boca de cena, nove toneladas de luz, 20 toneladas de som e dez câmeras. Eu que havia deixado uma São Paulo cinza e fria, me alegrei ao me deparar com uma Bahia de céu sem nuvens e com aquele sorriso todo.
Pouco antes de o show começar, Claudia reuniu a imprensa no próprio Farol, para anunciar seu projeto futuro: uma carreira internacional. "Já estou falando inglês e espanhol fluentemente", contou. Também respondeu pela milésima vez como foi a internação do filho, Davi, que está muito bem, obrigado, e falou que Michael Jackson influenciou as coreografias do novo show bem antes de sua morte.
Do lado de fora, uma massa de cerca de 100 mil pessoas se aglomerava. Uma área em frente ao palco foi reservada a fãs inscritos previamente. Do outro lado da rua, o camarote recebia com requintes os mais abonados --entre os quais a penca de ex-BBBs. Mas a graça mesmo estava em ficar com o povo preto, em frente ao palco e longe do ar condicionado dos brancos, como diria minha colega jornalista Janaína Nunes. Mesmo sendo alvo de spray de pimenta da truculenta polícia baiana, do qual também não escapei. Enfim, às 19h40, tudo começou com o estouro de fogos de artifício.
Claudia surgiu acompanhada de 16 bailarinos e 13 músicos em clima de mistério medieval. Misturada entre os dançarinos, todos mascarados, o público só soube quem era ela quando tirou sua máscara. Dançou e cantou seus sucessos por duas horas a fio. Com a força, o vigor e a emoção de estar em sua terra, no meio de seu povo. Coisa que ela disse, visivelmente emocionada. E requebrou até não mais poder ao lado de Léo, do Parangolé, e Ed, do Fantasmão, seus convidados.
Apesar de declarar não ter religião, a cantora fez de Deus seu escudo junto ao público. Agradeceu a Ele o tempo todo, conclamou os fãs a se abraçarem e até chegou a brincar com tudo isso: "Estou parecendo uma pastora", disse. Se as coreografias explicitavam a fonte Michael Jackson, o figurino de Walério Araújo e Yan Acioli deixava Claudia bem parecida com uma Xuxa em seu auge, nos anos 80: bota de vinil até a coxa, tailleur de veludo, saia de tule, anca de metal. Tal qual uma princesinha do axé. Afinal de contas, Claudia é fruto disso tudo.
Bem-humorada, até brincou com a dita rivalidade com Ivete. "Se Ivete parir e o filho dela for menina, Davi vai pegar ela toda", disse, às gargalhadas. O povo foi ao delírio. Na boca do palco, eu só conseguia ver uma coisa: a autenticidade tão baiana desta cantora, simples como a sua gente, apesar do status de superstar, com o qual sabe lidar muito bem.
Enquanto Claudia comandava a massa, por um intante lembrei-me do dia em que ficamos amigos, há cerca de dois anos, em uma sessão que ela fazia no estúdio do fotógrafo André Schiriló, cujo making off acompanhei para a revista "Contigo!", ao lado da fotógrafa Silvana Garzaro. Lembro-me que, depois do trabalho, desligamos o gravador, rimos e falamos besteira durante toda aquela tarde. Coisa rara entre jornalistas e artistas. Como se diz na Bahia, o santo bateu, com aquela ligação de pertencemos a uma mesma geração --Claudia é só um ano e meio mais velha do que eu-- e enxergarmos a vida do mesmo modo. Foi isso que me passou pela mente enquanto o povo a aplaudia. Saí daquele show com a alma leve, diante da clareza, verdade e sinceridade de Claudia Leitte, tão exposta ali. Dádiva que poucos artistas conseguem ter.
Miguel Arcanjo Prado é jornalista, afilhado de Zélia Gattai, fã de Jorge Amado, amigo de Claudia Leitte e não sabe quantas vezes já foi à Bahia. Para Mateus Schimith, ator e amigo capixaba, quase mineiro e novo soteropolitano, que me acompanhou neste show.
Fonte: http://claudialeitte.uol.com.br/cl/mod_noticia.asp?n=1075
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